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Como e por que a esquerda tomou a América Latina

Como e por que a esquerda tomou a América Latina
Vitória de Tabaré Vázquez à sucessão de José Pepe Mujica, no Uruguai, neste domingo coroa um ciclo de quase duas décadas em que governos esquerdistas se impõem na América Latina - Foto: Brasil 247
Neste domingo, mais uma vez, será noticiado algo que já se tornou comum, na América Latina, há mais de uma década. Uma eleição presidencial vencida por um político de esquerda. O palco, o pequeno Uruguai. O personagem, o médico Tabaré Vázquez.
Com sua vitória, a política uruguaia poderá completar quinze anos de transformações sociais, iniciadas pelo próprio Tabaré, quando assumiu o poder pela primeira vez, em 2005. Cinco anos depois, passou a faixa presidencial ao ex-guerrilheiro José Pepe Mujica, que conseguiu atrair holofotes do mundo inteiro para o Uruguai com seu estilo franciscano – ele vive na zona rural, usa um Fusca antigo e doa para a caridade 90% de seu salário – e com a implantação de reformas nos costumes, como a legalização da maconha e do aborto.
Agindo de maneira totalmente fora das padrões, Mujica se tornou o político mais admirado do mundo pela sisuda publicação britânica The Economist, a bíblia dos neoliberais. E agora ele, um ex-guerrilheiro tupamaro que passou 14 anos de sua vida preso numa solitária, devolverá a faixa a Tabaré Vázquez.
Ruína neoliberal
A ascensão de governos de esquerda na América Latina é consequência direta do colapso das economias do continente após as políticas neoliberais implantadas na década de 90. O Brasil, como se sabe, recorreu três vezes ao Fundo Monetário Internacional. A Argentina, que havia implantado à força a política que igualava o peso ao dólar, viveu agudas crises políticas e econômicas – na mais grave, o ex-presidente Fernando de la Rúa se viu forçado a fugir da Casa Rosada de helicóptero.
Nos anos 90, vendas de ativos de públicos, na era das privatizações, não foram suficientes para estancar o endividamento interno e externo dos países latino-americanos, nem para gerar bem-estar social.
Com o desemprego nas alturas, as transformações começaram pela Venezuela, onde um militar, Hugo Chávez, liderou uma bem-sucedida revolução. Depois, favorecido pela alta dos preços internacionais do petróleo, conseguiu implantar políticas sociais que garantiram à Venezuela o mais longo ciclo da esquerda no continente – iniciada com Chávez, em 1999, a chamada Revolução Bolivariana perdura até hoje com Nicolás Maduro, ainda que enfrente dificuldades crescentes.


O modelo lulista

No entanto, o fenômeno que permitiu a expansão da esquerda na América Latina foi a vitória emblemática de Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, em 2002. Primeiro trabalhador a presidir a maior democracia do continente, Lula soube encontrar um modelo de distribuição de renda em que todos ganharam.
Surfando no ciclo de alta das commodities, implantou políticas macroeconômicas sensatas, expandiu o mercado de capitais, o que permitiu que o Brasil gerasse uma nova safra de bilionários, e ainda assim liderou um dos maiores processos de distribuição de renda na história. Nada menos que 40 milhões de pessoas deixaram a miséria e se incorporaram à classe média.
Não por acaso, Lula terminou seu segundo mandato com 70% de aprovação popular e passou a faixa presidencial à ex-guerrilheira Dilma Rousseff, reeleita para mais quatro anos em outubro deste ano. Com Lula e Dilma, o Brasil se prepara para um ciclo de 16 anos de um governo popular, que poderão ser 20 caso Lula decida ser candidato em 2018.
Chavismo ou lulismo
O sucesso da esquerda na América Latina com dois grandes faróis, Chávez e Lula, abriu duas vertentes, logo classificadas por historiadores como “carnívora” ou “herbívora”. No primeiro time, jogariam lideranças políticas mais alinhadas com o chavismo, e menos apegadas a contratos e aos ritos democráticos. O exemplo mais clássico, o de Evo Morales, o primeiro líder indígena a governar a Bolívia.
Entre os “herbívoros”, destacam-se os políticos que seguem a cartilha lulista, como Ollanta Humala, no Peru, e mesmo Michelle Bachelet, no Chile. São governos pró-mercado, mas com intensos canais de diálogo com a sociedade e políticas de inclusão social.
No meio do caminho, nem tão carnívoro e nem tão herbívoro, o melhor exemplo é o do equatoriano Rafael Correa, um economista com formação nos Estados Unidos, mas que se comporta como o “enfant terrible” do continente. Foi ele, por exemplo, quem concedeu a asilo diplomático a Julian Assange, fundador do Wikileaks, e um dos maiores inimigos dos Estados Unidos.
Assim como ele, o também ex-guerrilheiro Daniel Ortega, da Nicarágua, implanta políticas sociais, sem romper com o mercado. Seu modelo é Lula.
Os limites da esquerda
Independente das vertentes e das políticas abraçadas pela esquerda latino-americana, muitos já se questionam sobre a longevidade dos governos populares.
No Brasil, Dilma foi reeleita, mas enfrentou uma eleição dificílima. Em outros países, crises econômicas e políticas fustigam governos de esquerda.
Os dois países que representam, hoje, os maiores riscos são justamente a Venezuela e Argentina. O primeiro, atingido diretamente pela queda nos preços do petróleo, já enfrenta crises de abastecimento e terá dificuldades para manter uma política de distribuição de renda. Na Argentina, a alta inflação, que se soma à baixa credibilidade internacional do País, dificulta a atração de investimentos.
Crises localizadas, no entanto, não representam o desejo de uma restauração neoliberal. Na Venezuela, o político Henrique Capriles, principal opositor de Maduro, tem dito que seu modelo, num eventual governo, será o de Lula – assim como também prometem os principais opositores argentinos.
Neste ambiente de profundas transformações, em que, segundo a Comissão Econômica para a América Latina, milhões de pessoas deixaram a pobreza e a média de crescimento foi próxima a 2014, o ano decisivo será o de 2018, quando Lula, principal liderança da região, poderá tentar voltar ao poder, abrindo as portas para um ciclo de 20 anos no Brasil.
Brasil 247

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