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No AC, sobe para 247 nº de mortes de ex-agentes intoxicados por inseticida

Última morte foi registrada no dia 14 de abril. 
'As instituições se negam a aceitar nossa contaminação', diz ex-servidor.

Tácita MunizDo G1 AC
Com pouco mais de dois meses, Sebastião perdeu completamente os movimentos  (Foto: Tácita Muniz/G1)Com pouco mais de dois meses, Sebastião perdeu completamente os movimentos (Foto: Tácita Muniz/G1)
De janeiro a abril deste ano, sete ex-servidores da extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam)  morreram no Acre, segundo a Associação DDT e Luta Pela Vida. A última ocorreu no dia 14 de abril. Em todas as mortes, um fato em comum: as vítimas tiveram contato direto com o pesticida Diclorodifeniltricloroetano (DDT), usado para conter o mosquito da malária na região amazônica nas décadas de 70 a 90 no Acre. Com isso, já são 247 mortes contabilizadas.
O número de mortes registradas esse ano já é superior ao de 2014, quando 11 ex-guardas da Sucam morreram, segundo  Aldo Moura, de 63 anos, responsável pela associação e pelo levantamento. O representante destes homens que eram chamados de “guardas mata-mosquitos”, por terem protagonizado uma verdadeira guerra contra o mosquito da malária, acompanha passo a passo o estado de saúde dos ex-companheiros de trabalho. Aldo também fala do futuro como se aceitasse a condenação à morte por antecipação.
“É um quadro irreversível, isso nós já sabemos. Estamos esperando a vontade de Deus e que assim seja feito. Ano passado perdemos 11 companheiros, este ano, ainda no quarto mês, já se foram sete. É um número que vem crescendo todos os anos. É uma batalha diária, porque as instituições se negam a aceitar a nossa contaminação”, lamenta.
A última morte registrada em Rio Branco, segundo a associação, foi a de Francisco Carlos Ovides , de 68 anos. Após desenvolver doença respiratória, não suportou duas paradas cardíacas no dia 14 de abril. Desemparo é a única palavra que o filho,  Francisco Carlos Ovides, consegue encontrar para definir os últimos meses de vida do pai.
"Ele teve complicações no pulmão e passou a ter crises constantes e não resistiu. Trabalhou mais de 20 anos com o DDT e a situação é essa: descaso total. Teve duas paradas, na segunda, não suportou", lamenta o filho após 15 dias da morte do pai.
G1, em fevereiro, visitou as casas de alguns dos servidores que integram a chamada “lista da morte” e retratou como vivia alguns deles. Um dos que morreram foi Raimundo Gomes da Silva, de 82 anos. Depois de meses em cima de uma cama, seus órgãos pararam no dia 7 de março. Morreu no colo do filho mais velho. Na época da matéria, ele dava sinais de que sua morte estava anunciada.
“Muita humilhação, a gente é muito humilhado. É aquele ditado, 'Deus dá, Deus tira'. Nunca olharam para a gente durante todo esse tempo e nisso já se foram mais de 200 [funcionários]. Tenho certeza que não escapo, não saio mais dessa. Na próxima viagem, eu vou embora e já preparei meus filhos", disse entre lágrimas, na época.
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Raimundo Gomes diz que sente muitas dores e chora ao falar sobre seu estado de saúde  (Foto: Tácita Muniz/G1)
Raimundo Gomes morreu no dia 7 de março
(Foto: Tácita Muniz/G1)
A dona de casa Maria Nazaré Soares da Silva, de 67 anos, dividiu 44 com Raimundo. Hoje, ela tenta se acostumar com a ausência e a dor do descaso. “Eu acho um desrespeito. Faleceu na perna do meu filho mais velho, nos preparávamos para fazer a nebulização. Sofreu muito, mas na hora de partir, foi que nem um passarinho”, relembra ainda emocionada.
Em pouco mais de dois meses, o estado de Sebastião Bezerra, de 76 anos, também piorou. Na primeira entrevista, ele ainda tinha alguns movimentos e chorava bastante. Passado esse tempo, a esposa Maria Arlete Bezerra, 59, conta que Sebastião não se move e não dá mais sinais de consciência.
“Ele fica apenas nessa posição. Não se mexe mais e o quadro dele piorou e fez muita diferença. E minha situação também só piora, porque uso antidepressivos. Não é fácil para ninguém ver a pessoa morrendo aos poucos sem poder fazer nada. Já conheci vários amigos dele do trabalho que já partiram”, diz.
Sebastião Holanda, de 66 anos, trabalhou com o pesticida entre as décadas de 70 e 90. Ele lembra de como era saudável, até sentir os sintomas que todos relatam: fraqueza, dor nas articulações. “Éramos homens de aço, hoje, mesmo não sendo tão velhos assim, perdemos nossa força. A pele formiga, parece que tem várias agulhas pelo meu corpo. No ano passado, cheguei a passar 30 dias na UTI”, relembra.
O aposentado Egídio Marques de Souza, de 65 anos, tem o lado esquerdo paralisado e fala com dificuldade. Passou dois anos sem andar, atualmente consegue se locomover pela casa, mas cai muitas vezes. Maria Lenilda Souza, de 61 anos, conta que a atenção é 24 horas.
“Ele cai direto, então sempre tenho que tá por perto. Nunca deixo ele só, se eu precisar ir no mercado, preciso que alguém venha ficar com ele. É uma luta diária. Ele reclama de muitas dores na perna esquerda”, conta a esposa.

Egídio, com dificuldade, confirma e diz que, às vezes, perde o tato e por isso sempre precisa de alguém por perto. Ele também diz que sente tontura e perde o equilíbrio. “Essa perna dói demais, aí quando menos espero caio”, conta.
Egídio tem o lado esquerdo paralisado e dificuldade para falar  (Foto: Tácita Muniz/G1)Egídio tem o lado esquerdo paralisado e dificuldade para falar (Foto: Tácita Muniz/G1)
Aos 51, Antônio Souza da Cunha, há 3 anos procurou um médico em Brasília que, segundo ele, lhe deu o diagnóstico. “Fiz exames e o médico disse que no meu caso a intoxicação estava aguda e crônica. Somente o tratamento paliativo poderia conter as dores”.
Ele trabalhou com o DDT também entre as décadas de 70 e 90. “Fiz algumas sessões de uma terapia em Brasília, depois disso melhorei bastante, mas isso já faz muito tempo. Hoje, não tenho acompanhamento nenhum”, diz.
Pela associação, Aldo Moura percorre vários estados para tentar convencer o poder público sobre a intoxicação desses profissionais adquirida pelo trabalho que prestavam ao Estado. “Fui convidado pela Organização Mundial da Saúde para uma palestra em Recife nos próximos dias, no Fórum Mundial da Saúde aos poucos a gente vai tentando sensibilizar as pessoas para a nossa causa”, pontua.
O pesticida
O DDT começou a ser usado no Brasil logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Naquela época, homens, sobretudo da região amazônica, conhecidos por “guardas mata-mosquitos” ou apenas “soldados da malária”, foram recrutados para combater o mosquito vetor da malária e outras endemias. Sem conhecimento e acreditando que o veneno era inofensivo ao ser humano, os agentes se embrenhavam na mata e tinham contato direto com o produto, usando apenas um chapéu de alumínio e uma farda.

Sebastião Holanda relembra 'erámos homens de aço' (Foto: Tácita Muniz/G1)
Sebastião Holanda relembra 'erámos homens de ações'
(Foto: Tácita Muniz/G1)
A intoxicação reconhecida por especialistas
Ao G1, em fevereiro, o toxicologista de São Paulo, Anthony Wong, explicou que os ex-funcionários estão intoxicados, não só pelo contato com o DDT, mas pelos solventes à base de petróleo usados na mistura para obter o veneno. Segundo ele, os sintomas descritos são decorrentes do contato direto desses homens com essas substâncias químicas altamente tóxicas.

"Essas pessoas, na verdade, são vítimas de todo esse conjunto de solventes e inseticidas", chegou a afirmar na época e completou: “revoltante que o poder público não ampare esses homens que sacrificaram suas vidas para construir o Brasil e hoje são deixados de lado".
Justiça
Uma ação impetrada pelo Ministério Público Federal no Acre (MPF-AC) aguarda decisão desde agosto de 2013. O órgão pede que os ex-servidores tenham assistência pelo poder público.

O Ministério da Saúde alega que a contaminação pelo pesticida não é comprovada. A Secretaria de Saúde do Acre (Sesacre) informou que segue o posicionamento do órgão. O G1 entrou em contato novamente para saber se havia mudança  na postura dos órgãos, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.
Aldo Moura em borrifação no campo na década de 70 (Foto: Aldo Moura/Arquivo pessoal)Aldo Moura em borrifação no campo na década de 70 (Foto: Aldo Moura/Arquivo pessoal)

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